Jaime Graça nunca será esquecido!


 

Jaime Graça, um dos melhores centrocampistas de sempre do Sport Lisboa e Benfica e do futebol português, faria 80 anos neste domingo, dia 30 de janeiro. Partiu a 28 de fevereiro de 2012, com 70 anos.

Nasceu em Setúbal em 1942, no seio de uma família humilde. Filho de pai operário e mãe que trabalhava como costureira, Jaime Graça era o mais novo de dois rapazes. Emídio Graça era 11 anos mais velho e foi uma inspiração para entrar no futebol. Já lá vamos…

Muito antes, o jovem Jaime Graça teve o primeiro grande revés. Tinha cinco anos quando ficou órfão de pai, com a mãe a assumir a responsabilidade de levar dinheiro para casa. Estudou até aos 10 anos, mas foi obrigado a largar a escola e ir trabalhar, em 1952.

Jaime Graça

"Para quem nasceu em 1942 eram sempre tempos difíceis. O meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. A minha mãe ficou sozinha, só comigo e com o meu irmão. Tive a sorte de o meu irmão começar a jogar. Acabei por abandonar a escola depois do ciclo preparatório para começar a trabalhar, porque a vida era muito difícil", revelou Jaime Graça, em tempos, numa entrevista à BTV.

Aprendeu o ofício de eletricista, começando como aprendiz na empresa Tropical. A bola, porém, estava sempre presente... Enquanto o irmão era titular no meio-campo do V. Setúbal, Jaime Graça mostrava o seu talento a representar várias coletividades da terra natal: Estrela do Sado, Beira-Mar de Setúbal, Independente Setubalense ou Nacional Sadino foram alguns dos emblemas onde alinhou com tenra idade.

Em paralelo, acompanhava o irmão aos seus jogos como atleta sénior do maior clube sadino, onde pontificava como médio e cujo talento fizera por merecer chegar à Seleção Nacional em 1955. Jaime Graça afirmou, nos estúdios da BTV, que "ia a todos os jogos, não só para os ver, mas também para cumprimentar os jogadores mais antigos". Ainda assim, o "bichinho" pelo futebol já estava presente. Não só pelo irmão, que "tinha imenso prazer em ver jogar", mas também porque depois "costumava ir para um largo atrás da Câmara Municipal [de Setúbal] imitar os passes, as fintas, os remates…".

Jaime Graça

V. Setúbal como montra

Em 1958/59, na mesma temporada em que Emídio rumou a Espanha para jogar no Sevilha, Jaime Graça tentou a sua sorte no Palmelense. Foi a primeira incursão digna desse nome no futebol de competição e sagrou-se Campeão Distrital de Juniores. Tinha 17 anos, mas augurava-se uma carreira cheia. Assim foi!

"Iniciei-me no futebol júnior [no Palmelense]. Nessa altura, o Manuel Gomes Afonso, antigo selecionador nacional e grande benfiquista, falou com a minha mãe e mostrou desejo que eu envergasse a camisola do Benfica. Não foi nessa altura, foi em 1966", recordou o antigo médio.

As prestações deram nas vistas e na época seguinte envergava o equipamento do Vitória de Setúbal, onde se manteve até 1965/66. Apesar de ser um dos titulares, os primeiros tempos de Jaime Graça não foram fáceis. Os sadinos militavam na 2.ª Divisão em 1960/61 e 1961/62, temporada em que chegaram à final da Taça de Portugal que viriam a perder com o Benfica (0-3).

Jaime Graça destacou-se no meio-campo do V. Setúbal, conquistou a Taça de Portugal a capitanear a equipa em 1964/65, tornou-se internacional A por Portugal em 1965, com 23 anos, e mudou-se, pouco depois, de armas e bagagens para a capital e para o Estádio da Luz.

Jaime Graça

Jogador completo no Benfica

Iniciava-se a época 1966/67 e o plantel dos encarnados, já preenchido por um talento ímpar, recebeu nas fileiras um jovem que despontava e que queria abraçar o meio-campo do Benfica. O treinador chileno Fernando Riera fez-lhe a vontade e lançou-o logo a titular na ronda inaugural do Campeonato Nacional, diante do V. Guimarães (triunfo, por 0-1).

Jogador de baixa estatura, fazia da sua inteligência e capacidade de antecipar as jogadas mais-valias que nenhum treinador se atrevia a desperdiçar. A bola nos seus pés tinha um perfume próprio e a elevada técnica de que dispunha nunca ficava nos balneários.

"Costumava dizer que jogo futebol como se joga às damas: jogo uma pedra a pensar na jogada seguinte. Nunca jogava a pensar apenas na primeira pedra. Em casa idealizava jogadas inteiras. Pode ser fácil, depende dos jogadores com quem estamos a jogar. Tinha de colocar a bola certa conforme as características dos jogadores. Isso permitiu que tivesse alguma magia no meio-campo", partilhou Jaime Graça, entre as muitas revelações no pós-carreira de futebolista.

Preconizado pelo treinador holandês, Rinus Michels, o "futebol total" também era uma realidade no Benfica e Jaime Graça personificava-o. Nas águias ganhou dimensão de jogador de equipa, e sem bola era um mouro de trabalho e de saber, para se posicionar de forma a dificultar o melhor futebol do adversário.

Jaime Graça

Um dos indiscutíveis na Luz e… capitão

Não foi só Fernando Riera quem lhe deu o estatuto de titular. Os anos iam passando e todos os treinadores confiavam no talento e abnegação de Jaime Graça. Era o dono do meio-campo encarnado, criava jogadas múltiplas e únicas para gáudio de quem estava nas bancadas e libertava, assim, o maior talento de Eusébio, Simões, José Augusto ou mesmo Torres.

Perante esta constelação de estrelas, as vitórias, os golos e as conquistas vinham em catadupa, com o Campeonato Nacional a viajar para as vitrinas do Museu sob a forma de Tri (1966/67, 1967/68 e 1968/69). Foi, aliás, em 1968 que o Benfica regressou às finais europeias. Campanha muito positiva na Taça dos Clubes Campeões Europeus até à final de Wembley, onde mediu forças com o Manchester United. No fim dos 90 minutos, 1-1, com o golo encarnado a ser apontado por Jaime Graça, aos 79'. No prolongamento, contudo, os ingleses levaram a melhor e acabaram por ganhar, por 4-1.

A sua classe e maturidade permitiram-lhe chegar, primeiro, a subcapitão e, depois, a capitão. Envergou a braçadeira em 33 jogos e foi 2.º capitão da equipa em 21 partidas. Alinhou de águia ao peito em 327 jogos, 264 deles completos (81%), num total de 26 508 minutos. Apontou 35 golos. Pelo Benfica conquistou 13 títulossete Campeonatos Nacionais (1966/67, 1967/68, 1968/69, 1970/71, 1971/72, 1972/73 e 1974/75), três Taças de Portugal (1968/69, 1969/70 e 1971/72) e três Taças de Honra de Lisboa.

Jaime Graça

Internacional A por Portugal

Foi na condição de futebolista do V. Setúbal que chegou à Seleção Nacional. A 24 de janeiro de 1965, Portugal enfrentava a Turquia, em jogo de apuramento para o Campeonato do Mundo de 1966. A equipa das Quinas venceu 5-1 e Jaime Graça estreou-se logo com um golo aos 52' (fez o 3-1), após livre apontado por Simões.

Como jogador sadino teve 12 internacionalizações e faturou por uma ocasião. Marcou presença no Mundial de Inglaterra, em 1966, competição em que alinhou em seis partidas. Pelas águias rubricou 24 jogos por Portugal e marcou três golos. No total, atingiu as 36 internacionalizações e apontou quatro tentos.

Jaime Graça

De volta à Luz para o Futebol de Formação

Pendurou as botas em 1978/79, mas não deixou o futebol. A partir de 1980/81 lançou-se na carreira de treinador no Os Oliveirenses. Seguiram-se o Benfica de Castelo Branco, o U. Almeirim, o Santa Clara, o Caldas SC, o Operário, o SL Olivais, o Fazendense e foi adjunto de José Torres na Seleção Nacional no Mundial de 1986, no México.

Em 2006 assumiu a função de coordenador técnico do Futebol de Formação das águias. No Benfica Campus era adorado por todos, treinadores e jogadores. Viu vários talentos crescerem, celebrou inúmeros títulos das varias equipas da Formação e foi a referência para vários treinadores do Sport Lisboa e Benfica.

No Canal de televisão do Clube explicou como tem de ser um jogador à Benfica: "Um jogador do Benfica tem de saber lidar com as situações quando correm menos bem, porque as coisas não irão correr todas mal. Se assim for, não pode ser jogador do Benfica. O jogador do Benfica tem de preocupar e pensar: 'O que agora fiz mal, na próxima vou ter de fazer bem. Os que me apuparam, vão ter de ser meus amigos e bater palmas.' O público tem de se conquistar."

Bruno Lage

Referência para Bruno Lage e Renato Paiva

Um dos técnicos que não esquecem a importância que Jaime Graça tem na sua vida é Bruno Lage. O treinador, de 45 anos, hoje no Wolverhampton, chegou aos encarnados em 2004/05 e aí permaneceu até 2011/12. Saiu, andou pelos Emirados Árabes Unidos e pela Premier League, como treinador adjunto, regressando a casa em 2018/19. Abraçou a equipa B, mas a meio assumiu o plantel principal, conquistando o Campeonato Nacional (2018/19) e a Supertaça (2019/20).

"Jaime Graça não é o único homem importante na minha carreira. Mas é também muito importante na minha vida. Há outros com quem terei a oportunidade de partilhar este momento, mas esta primeira homenagem devia ser para ele, também para o meu pai, para o Carlos Carvalhal, que também é um homem muito importante na minha vida... O José Rocha, que foi a primeira pessoa com quem trabalhei. [...] É muita gente para partilhar o meu percurso, mas a primeira homenagem tinha de ser ao Jaime Graça", reconheceu Bruno Lage, aquando da conquista do 37.º título das águias enquanto mostrava uma camisola com o nome do antigo campeão e mestre.

Também Renato Paiva, outro antigo técnico da Formação benfiquista, não esqueceu Jaime Graça na hora da vitória. Foi campeão no Equador pelo Independente del Valle, vestiu uma camisola com uma imagem da sua referência estampada e asseverou: "Tudo o que fizer no futebol será por Jaime Graça e para ele."

Jaime Graça

Eterno Jaime Graça

O dia 28 de fevereiro é especial para o Sport Lisboa e Benfica. Foi neste dia, em 1904, que o Clube foi fundado na Farmácia Franco. Todavia, essa data, no ano de 2012, foi triste! Nesse dia falecia Jaime Graça, um dos ícones do futebol encarnado, como jogador e como coordenador da Formação.

Aos 70 anos, Jaime Graça partia e deixava mais pobre o Benfica, o Benfiquismo e o futebol português. Nunca será esquecido!


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